O desequilíbrio entre mente, corpo e espírito: os desafios invisíveis dos homens
- António Malveiro

- 31 de out.
- 3 min de leitura
A saúde de qualquer pessoa é um triângulo em constante tensão. Quando um dos vértices, seja a mente, o corpo ou o espírito se desequilibra, todo o sistema entra em colapso. Em Portugal, este desequilíbrio tem vindo a crescer de forma silenciosa nos homens, refletindo-se na saúde mental, nos hábitos de vida e até no acesso à educação e à informação sobre bem-estar.
No vértice da mente, o problema é cada vez mais evidente. De acordo com a Direção-Geral da Saúde, três em cada dez homens portugueses apresentarão sintomas de depressão ou ansiedade ao longo da vida, mas menos de um terço procura ajuda. As razões são conhecidas: estigma, medo do julgamento e uma cultura que ainda associa a vulnerabilidade à fraqueza. O resultado é trágico 75% das vítimas de suicídio em Portugal são homens, um dado que a própria OMS reconhece como expressão direta da dificuldade masculina em pedir apoio. Desde a infância, muitos rapazes são ensinados a calar a dor emocional, a não chorar, a competir em vez de partilhar. Este modelo de masculinidade, sustentado por décadas de silêncio, tornou-se um dos maiores riscos para a saúde mental masculina.

O segundo vértice, o corpo, revela uma outra face do problema. Os homens vivem, em média, menos seis anos do que as mulheres, morrem mais cedo de causas evitáveis e procuram o médico com menor regularidade. As doenças oncológicas masculinas, sobretudo o cancro da próstata, que é o mais frequente entre os homens portugueses continuam a ser detetadas tardiamente por ausência de rastreios preventivos. Em 2022, registaram-se mais de 7.500 novos casos de cancro da próstata em Portugal, mas ainda há resistência em falar sobre o tema. Muitos homens desconhecem os sinais de alerta e adiam consultas por vergonha, medo ou desvalorização dos sintomas. Este silêncio custa vidas, e a informação continua a ser a ferramenta mais poderosa de prevenção.
No terceiro vértice, o espírito entendido aqui como equilíbrio emocional, sentido de propósito e pertença, encontramos outro desafio profundo: a forma como os homens se relacionam consigo próprios e com o mundo. Portugal é hoje um país onde os rapazes abandonam mais cedo a escola e têm piores resultados académicos do que as raparigas, segundo dados do INE e da OCDE. Esta diferença reflete desigualdades estruturais que se perpetuam na vida adulta, influenciando a autoestima, a empregabilidade e a saúde mental. A baixa literacia emocional e educacional torna mais difícil o acesso à informação em saúde, à expressão dos afetos e à construção de uma identidade positiva.
Quando mente, corpo e espírito se afastam, o homem perde-se de si próprio. A ausência de políticas integradas que liguem estas dimensões: saúde física, psicológica e social, mantém o triângulo instável. E quando uma parte cai, as outras seguem atrás: o homem que não fala sobre as suas emoções tende a cuidar menos do corpo; o que não tem acesso à educação emocional tende a reproduzir comportamentos de risco; o que não encontra propósito tende a desistir em silêncio.
Precisamos, enquanto sociedade, de um novo contrato com a masculinidade, que permita aos homens serem inteiros, vulneráveis e conscientes. Precisamos de educar os rapazes para o autocuidado e para o diálogo, de normalizar o acompanhamento psicológico e de incentivar o rastreio precoce das doenças físicas.
Novembro, mês dedicado à saúde masculina, é o momento certo para começar essa mudança. Falar de saúde dos homens não é competir com causas femininas, mas equilibrar a balança do cuidado humano. Quando os homens aprendem a cuidar de si, tornam-se também melhores pais, companheiros e cidadãos.
Cuidar da mente, do corpo e do espírito é o verdadeiro exercício de coragem.



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